O risco dos vidros espelhados para pássaros

Reflexos de céu e vegetação fazem com que milhares de aves colidam diariamente contra vidraças de casas e edifícios

Procuradoria-Geral da República, em Brasília
Os pássaros não conseguem distinguir o que é real e o que é reflexo. Prédios espelhados isolados, como os da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, facilitam os choques

 

Estamos na era do vidro e seus avanços tecnológicos proporcionaram uma verdadeira revolução na maneira como especificamos o material. Hoje, mais do que nunca, ele passou a ser utilizado como solução arquitetônica, em busca de construções mais sustentáveis e com um alto nível de conforto ambiental.

Mas toda essa explosão vítrea possui alguns vieses negativos, e entre eles, talvez o que possua a menor repercussão seja o alto número de aves que morrem todos os dias, se chocando contra vidraças de casas e edifícios.

A estudante de graduação, Liana Cézar Barros, da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP, publicou um trabalho bem interessante sobre o problema de colisão de aves com vidraças intulado ‘Morte de pássaros por colisão com vidraças’, na Revista Ciências do Ambiente On-Line.

Na introdução deste trabalho, consta que a segunda maior causa antropológica da mortalidade de pássaros ao redor do mundo, atrás somente da destruição do habitat dos mesmos, é a colisão com painéis de vidro transparente e/ou reflexivo, em vidraças de residências e prédios comerciais, tanto em áreas urbanas como no meio rural.

O professor de Ecologia Rudi Ricardo Laps, disse que não há explicação única para a morte dos pássaros, pois seria necessário um estudo aprofundado, porém, há algumas possibilidades. A primeira delas é o sistema de cores que eles enxergam. Enquanto os homens veem três cores, os pássaros veem quatro. Como enxergam mais, acabam confundindo mais, em especial quando há reflexo.

A luminosidade com a alta emissão de raios ultravioletas, também pode ser um fator de risco. Segundo Laps, os pássaros são sensíveis aos raios e podem ficar desnorteados com um aumento repentino. O reflexo azul do céu ajuda nesta confusão aviária.

Outra hipótese levantada pelo professor é a localização de determinados prédios, em frente a praças com árvores de copas grandes. A construção pode estar em um local antes usado como rota pelos pássaros, que ainda não se acostumaram com o obstáculo.

Segundo o site O Eco, o Brasil não tem números para o problema, mas nos EUA, as estimativas são de que mais de 100 milhões de aves morrem a cada ano a partir de colisões com janelas, e cerca de 250.000 colidam em vidraças por dia na Europa. São espécies nativas e exóticas, e o prejuízo é grande para a dispersão de sementes e polinização, úteis à perpetuação de florestas e agricultura.

Um dos raros estudos feitos aqui mostrou que mais de cem animais de vinte espécies perdem a vida todos os anos nas fachadas espelhadas da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.

O órgão recebeu a análise feita por especialistas da Universidade de Brasília (UnB) em 2006, com sugestões para resolver o problema. Passados três anos e às vésperas da publicação do trabalho em revista especializada, a procuradoria não comentou o assunto e nem informou se algo foi feito para reduzir as colisões. As aves coletadas pelos pesquisadores no pátio da procuradoria apresentavam lesões como hemorragia cerebral ou de órgãos internos.

Conforme o relatório, as mortes ocorrem ao longo de todo o ano, na seca ou na estação chuvosa, dentro ou fora do período reprodutivo de pombas, beija-flores, andorinhas, da migratória tesourinha, coruja, gavião e espécies que só existem no Cerrado, como a gralha e o papagaio-galego. Esse último está provavelmente extinto em São Paulo e é considerado ameaçado em Minas Gerais.

Pelos cálculos de Miguel Marini e Clarissa Camargo, da Unb, cerca de 500 aves trombam e mais de cem morrem anualmente nas colisões com os prédios da procuradoria. São três colisões a cada dois dias e uma morte a cada três ou quatro dias. Como a vida útil dos edifícios é grande, o número de mortes passará dos milhares no longo prazo. “Durante o vôo, as aves não conseguem distinguir entre o que é real e o que é reflexo. Prédios isolados refletem o céu e a vegetação, facilitando os choques”, explicou Marini.

Espécies ‘territorialistas’, como o bem-te-vi, também sofrem. Ao ver seu reflexo nos painéis, imaginam tratar-se de um intruso em seu território e partem para o ataque com vôos rasantes e bicadas.

De acordo com Marini, o número de mortes não é inicialmente preocupante para a maioria das espécies porque muitas são comuns em ambientes urbanos, como as pombas. Mas os prédios ficarão ali por dezenas de anos e muitos outros com fachadas espelhadas são erguidos. “Esse conjunto de prédios, ao longo do tempo, pode trazer impactos significativos”, disse.

Segundo o especialista, conjuntos de edifícios ou construções plantadas nas cercanias de unidades de conservação são fontes de problemas. Em Brasília, os planos da chamada Cidade Digital e do bairro Noroeste, ao lado do Parque Nacional de Brasília e taxado pelo governo distrital como “primeiro bairro ecológico do país”, incluem várias construções com fachadas espelhadas. “Os bichos voarão de cara nessas barreiras. Falta às autoridades públicas reconhecer o tamanho do problema e definir normas para se evitar a construção de tantos prédios com vidros espelhados perto de áreas naturais”, ressaltou.

Conforme Paulo Fiúza, do Movimento Cerrado Vivo, o perigo que o bairro Noroeste representa para aves circulando a partir do parque nacional reforça que apenas o “lado empresarial” foi pesado em seu projeto. Ele lembra que o projeto inchará vias públicas com mais automóveis e destruirá cerca de 800 hectares de Cerrado. Para ele, o projeto arquitetônico deveria preservar o máximo de vegetação, mananciais e uma reserva indígena no local, aproveitando parcelas degradadas para a construção de uma ‘ecovila’. “Mas fizeram o contrário, estão passando avenidas dentro da reserva”, disse. Então porque chamam esse de o primeiro bairro ecológico do país? “É uma piada”.

 

Como evitar o problema

Em Nova Iorque, conforme a organização não-governamental Audubon Society, três prédios espelhados representam maiores riscos para os pássaros: o Metropolitan Museum of Art, o Centro de Convenções Jacob K. Javits e o Hospital Central Bellevue. A entidade tem um registro das colisões na metrópole. Apenas entre 1997 e 2001, foram 1.604 mortes e 748 aves feridas.

Menos ricos em biodiversidade, Europa e Estados Unidos desenvolveram sistemas para minimizar os problemas provocados pelas fachadas espelhadas. Eles têm usado películas, afastado alimentadores de aves das janelas, colado imagens de gaviões nas aberturas e fachadas para afugentar animais menores, cortinas para reduzir reflexos e telas de proteção.

“Também é possível usar listras verticais distribuídas ao longo da superfície espelhada. Isso facilitaria aos bichos ver as fachadas como barreiras. Tudo isso é possível de se conseguir sem sacrificar a entrada de luz natural. Apesar da nossa biodiversidade, nada foi feito por aqui para entender e combater esse problema”, lamentou Marini.

 

Vidro Ornilux

Desenvolvido e fabricado pela indústria alemã Arnold Glass, sediada em Remshalden, o vidro Ornilux possui um revestimento especial que ao ser refletido, cria desenhos semelhantes a teias de aranha, praticamente imperceptível para as pessoas, mas enxergada pelos pássaros.

O Ornilux recebe um revestimento ultravioleta, que forma a figura de um emaranhado, sua única desvantgem é o custo, o valor do metro quadrado da linha Ornilux custa 50% a mais que vidros própios para fachadas.

A ONG americana Wildlife Conservation Society resolveu testar a novidade. Como experiência, o vidro Ornilux foi instalado em uma área do Zoológico do Bronx, em Nova York. O resultado foi animador, nehum pássaro colidiu nele.

Vidro Ornilux Impede a Colisão de Aves
Do lado esquerdo como nós vemos... ao lado, um exemplo de como os pássaros vêem
Pássaros Vítimas de Colisão com fachadas de Vidros
Vítimas da colisão com vidraças: em três meses 1.000 pássaros, de 89 espécies. Toronto, Canadá. Foto da National Geographic, Novembro 2010